Doença Psiquiátrica: Cirurgias ainda esbarram no preconceito

Publicado em:  11/03/2012

Apesar de forte corrente contrária, profissionais se amparam na legislação e nas técnicas modernas de mapeamento cerebral para colocar em prática esses procedimentos
 
Ricardo Chicarelli
 
Maria se submeteu a um tratamento com estimulação magnética transcraniana e comemora os resultados: ''Nada se compara à qualidade de vida que ganhei''
 
Com uma depressão grave e síndrome do pânico que a acompanham desde a infância, Maria (nome fictício), hoje com 46 anos, decidiu dar uma última cartada em sua vida há cerca de um ano e meio. ''Não aguentava mais ser vencida pela doença'', desabafa ela, que chegou a tomar uma combinação de oito remédios ao dia. Sem grandes expectativas, ela iniciou um tratamento com estimulação magnética transcraniana e comemora os resultados. ''Nada se compara à qualidade de vida que ganhei. Aquela quantidade de remédios me deixava com os movimentos mais lentos e atrapalhavam minha concentração'', conta a professora. Atualmente, ela toma apenas três e em menor bem dosagem.

Assim como Maria, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 3% da população brasileira (5,4 milhões de pessoas) sofra de transtornos mentais severos que necessitem de cuidados médicos contínuos. De 6% a 10% (entre 10,8 e 18 milhões) acabam sendo vítimas de transtornos causados pelo uso de drogas e álcool. Felizmente, apesar do forte estigma que ainda carregam, as doenças mentais, em grande parte, não são mais consideradas como sentença de sofrimento interminável.

Hoje, além dos inúmeros tratamentos farmacológicos aliados à psicoterapia, técnicas e cirurgias psiquiátricas voltaram a ganhar espaço como alternativas para indivíduos com depressão grave, transtornos obsessivo compulsivos (TOC), bem como comportamento agressivo e automutilador. São técnicas ''não invasivas'' como eletroconvulsoterapia (ECT), estimulação magnética transcraniana; e as ''invasivas'', com a implantação de eletrodos no cérebro para neuromodulação.

Porém, um dos grandes entraves apontado por especialistas ouvidos pela FOLHA se baseia na falta de conhecimento e preconceito, movidos, principalmente, por um passado que teve como expoentes o choque elétrico - praticados nos manicômios - e a lobotomia - técnica que consistia na destruição parcial ou total dos lobos frontais do cérebro por meio de um corte feito com a penetração de um bisturi por orifícios nas têmporas. Procedimento totalmente banido e extinto da prática médica há quase quatro décadas. As duas situações só reforçam a constatação de que este é um dos campos da Medicina em que as correntes religiosas, políticas e ideológicas acabam interferindo.

Ainda que haja uma forte corrente contrária, vários profissionais se amparam na legislação e nas técnicas modernas de mapeamento cerebral para colocar em prática esses procedimentos, sobretudo, numa parcela que não obtém melhora aos tratamentos convencionais, os resistentes ou refratários. ''O procedimento cirúrgico só é realizado após avaliação de diversos critérios'', salienta o psiquiatra Salomão Rodrigues Filho, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria, referindo-se ao protocolo do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Segundo ele, as técnicas disponíveis oferecem risco praticamente inócuo diante de sua eficácia. ''São procedimentos que usam sistemas modernos de emissão de raios que produzem aumento de calor ou corrente elétrica. Já as cirurgias, por sua vez, são altamente precisas, atingindo uma extensão mínima do cérebro. Em nada se assemelham às lobotomias'', diferencia, dizendo, que, tanto uma quanto outra só são indicadas em pacientes quando caracterizada refratariedade aos tratamentos tradicionais. ''Mas, hoje, está se discutindo, inclusive, se há a necessidade de se esperar tanto em determinados casos.''
 
"A proposta da cirurgia não é a cura"
 
Neurocirurgião explica que objetivo do procedimento é dar possibilidade do doente voltar ao convívio social
 
Divulgação
Procedimento é muito semelhante a de uma cirurgia neurofuncional
 
Ricardo Chicarelli
 
‘‘Não existe isso de alguém bater à minha porta querendo ser operado. O paciente passa, obrigatoriamente, por uma comissão técnica multidisciplinar’’, ressalta o médico Marcos Antonio Dias.
 
''Operar um cérebro cujo indivíduo sofre de doença psquiátrica é operar um cérebro doente'', responde seguramente o neurocirurgião Marcos Antonio Dias, de Londrina, questionado sobre a necessidade do procedimento para distúrbios mentais, diferentemente dos neurológicos, como Parkinson ou epilepsia. Segundo o médico, pessoas que sofrem de doenças psquiátricas também apresentam funcionalidade ruim. ''Essa, porém, resulta em alterações do comportamento e não somente físicas.''

O procedimento, de acordo com o cirurgião, é muito semelhante a de uma cirurgia neurofuncional, ou seja, para doenças neurológicas, tudo milimetricamente calculado com estudo prévio. ''O que vai mudar é, basicamente, a região a ser colocada o eletrodo.'' Eletrodo nada mais é que um fio elétrico muito fino que desce da região alvo do cérebro até o ombro, onde é conectado a um gerador - colocado sob a pele - que, por meio de um minicomputador, cria modulações para ajustar ou modificar a atividade cerebral.

Para o especialista, entretanto, não se pode considerar a cirurgia como a salvação de todos as doenças psiquiátricas. ''Os resultados obtidos até hoje são muito variáveis. A proposta da cirurgia não é a cura, mas dar a possibilidade do doente voltar ao convívio social. Se for o caso, continuar o tratamento com medicamentos, mas que estes façam efeito'', comenta. Não há números precisos, mas estimativas apontam que há melhora, sem exceção, que varia de 30% a 60%.

Dias explica que a técnica é indicada em pouquíssimos casos, como os refratários, no qual já foram esgostados todos os tipos de tratamento. ''Não existe isso de alguém bater à minha porta querendo ser operado. O paciente passa, obrigatoriamente, por uma comissão técnica multidisciplinar, a qual vai seguir um protocolo de rigidez extrema com vários critérios, incluindo avaliação clínica funcional. Para a indicação de uma cirurgia, demora-se até seis meses'', argumenta o médico.

Poucos profissionais no Paraná

André Rotta Burkiewicz, presidente da Sociedade de Psquiatria do Paraná (SPP), diz que as técnicas e cirurgias citadas são autorizadas pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) do Paraná, desde que seguidos todos os protocolos e esgotadas todas as possibilidades de tratamento com medicação. ''Infelizmente, há casos em que, dependendo do quadro, há a necessidade de chegar a esse ponto. Digo infelizmente, porque não temos 100% de segurança em todos procedimentos'', comenta.

De acordo com o presidente, a sociedade também apóia as técnicas nas mesmas circunstâncias. ''No Paraná, contudo, ainda há poucos profissionais que trabalham com esses procedimentos que não os farmacológicos. A residência em psiquiatria no Estado é relativamente nova; muitos profissionais têm receio do que não é convencional.'' A reforma psiquiátrica, para ele, além de ter sido implantada de maneira inapropriada também contribuiu para a diminuição das pesquisas na área de neurologia.

Em uma das unidades particulares de Londrina, a clínica das Palmeiras, o tratamento se baseia em mesclar psicoterapia, fisioterapia, terapia ocupacional ao farmacológico. Luiz Paulo Garcia, um dos psiquiatras do local, diz que a indústria farmacêutica evoluiu muito nesse âmbito e os medicamentos trazem resultados muito satisfatórios na maioria dos casos. ''Até mesmo nos casos refratários, o Governo Federal subsidia o tratamento com medicamentos específicos, considerados de alto custo.''

Segundo o médico, a clínica não dispõe de tratamentos com técnicas consideradas não invasivas. ''Os casos que não respondem aos medicamentos são muito raros. Não vimos ainda a necessidade de indicar outros tratamentos, apesar de que, particularmente, eu não tenho nenhuma restrição'', diz ele, que possui uma paciente que iniciou a estimulação magnética transcraniana, mas por vontade própria. Quanto às cirurgias, ele afirma que as pesquisas são muito recentes para uma conclusão.

 


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