Nicotina, a porta de entrada

Publicado em:  01/11/2014

<p>Artigo de Drauzio Varella.</p><p>&nbsp;</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Consideramos porta de entrada a droga que reduz o limiar para a adi&ccedil;&atilde;o a outros agentes.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Essa hip&oacute;tese foi levantada em 1975 por Denise Kandel, ao observar que jovens envolvidos com drogas psicoativas, costumam faz&ecirc;-lo em est&aacute;gios e sequ&ecirc;ncias. Tipicamente, o abuso de tabaco e &aacute;lcool precede o de maconha, que por sua vez antecede o de coca&iacute;na e outras drogas il&iacute;citas.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Um grande inqu&eacute;rito americano publicado em 2012 mostrou que entre os adultos de 18 a 34 anos que j&aacute; haviam usado coca&iacute;na, 87,9% eram fumantes antes de experiment&aacute;-la, 5,7% come&ccedil;aram a consumir as duas drogas ao mesmo tempo, 3,5% usaram coca&iacute;na antes de ser fumantes e apenas 2,9% nunca fumaram cigarros.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Uma alternativa &agrave; hip&oacute;tese da porta de entrada &eacute; a de que o uso repetitivo de uma droga psicoativa reflita determinadas caracter&iacute;sticas gen&eacute;ticas e comportamentais que aumentam o risco individual de adi&ccedil;&atilde;o a outras drogas.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Embora os levantamentos epidemiol&oacute;gicos possam evidenciar a sequ&ecirc;ncia em que diferentes drogas s&atilde;o usadas e especificar suas associa&ccedil;&otilde;es, s&atilde;o incapazes de identificar os fatores envolvidos na progress&atilde;o de uma droga para outra e os mecanismos respons&aacute;veis por ela.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Estudos cl&aacute;ssicos na &aacute;rea da psicologia demonstraram que a adi&ccedil;&atilde;o &eacute; uma forma de aprendizado e que as reca&iacute;das est&atilde;o relacionadas com mem&oacute;rias persistentes das sensa&ccedil;&otilde;es de prazer obtidas com a droga.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Denise Kandel, o marido Eric Kandel (pr&ecirc;mio Nobel em 2000) e Amir Levine estudaram os efeitos da administra&ccedil;&atilde;o de nicotina e coca&iacute;na em ratos.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Ratos que recebiam nicotina na &aacute;gua de beber n&atilde;o se tornavam mais ativos do que o grupo-controle tratado com &aacute;gua pura. J&aacute; os que recebiam coca&iacute;na movimentavam-se por um tempo 58% maior.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Os que tomavam &aacute;gua contendo nicotina durante sete dias, para depois receber nicotina mais coca&iacute;na por mais 4 dias, ficavam 98% mais ativos.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">A invers&atilde;o dessa ordem (sete dias de coca&iacute;na seguidos de quatro dias de nicotina mais coca&iacute;na) n&atilde;o aumentava os n&iacute;veis de atividade locomotora.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Um dos fatores de risco para reca&iacute;das entre usu&aacute;rios em abstin&ecirc;ncia &eacute; retornar aos locais em que habitualmente consumiam a droga. Descrita tamb&eacute;m em animais de laborat&oacute;rio, essa prefer&ecirc;ncia condicionada por um local em particular est&aacute; ligada aos circuitos cerebrais do sistema de recompensa.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Da mesma forma que no experimento anterior, ratos tratados durante sete dias com &aacute;gua contendo nicotina, seguidos de quatro dias de nicotina mais coca&iacute;na, permaneciam 78% a mais de tempo no canto da gaiola associado &agrave; administra&ccedil;&atilde;o de coca&iacute;na, do que aqueles do grupo-controle.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">O casal de pesquisadores tamb&eacute;m estudou as mol&eacute;culas envolvidas na plasticidade das sinapses entre os neur&ocirc;nios, numa &aacute;rea do c&eacute;rebro (n&uacute;cleo accumbens) encarregada de integrar os impulsos que trafegam pelos neur&ocirc;nios liberadores de dopamina e glutamato, mediadores das sensa&ccedil;&otilde;es de prazer e recompensa.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Uma &uacute;nica inje&ccedil;&atilde;o de coca&iacute;na em ratos que haviam recebido nicotina por sete dias &eacute; suficiente para reduzir o limiar de estimula&ccedil;&atilde;o dos neur&ocirc;nios que liberam dopamina e glutamato, potencializando a sensa&ccedil;&atilde;o de prazer por at&eacute; tr&ecirc;s horas.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Como nos experimentos anteriores, a administra&ccedil;&atilde;o de apenas nicotina, apenas coca&iacute;na por sete dias ou coca&iacute;na durante sete dias seguidos por nicotina durante 24 horas n&atilde;o produz esse resultado.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Os autores demonstraram a mesma redu&ccedil;&atilde;o do limiar de excita&ccedil;&atilde;o de neur&ocirc;nios induzida pela nicotina em outra &aacute;rea cerebral, a am&iacute;gdala (respons&aacute;vel por orquestrar as emo&ccedil;&otilde;es), regi&atilde;o cr&iacute;tica para a adi&ccedil;&atilde;o.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Essas observa&ccedil;&otilde;es finalmente descrevem as bases biol&oacute;gicas e os mecanismos moleculares relacionados com a sequ&ecirc;ncia do consumo de drogas encontrada em seres humanos. Uma droga age nas sinapses de certos circuitos cerebrais criando condi&ccedil;&otilde;es para potencializar os efeitos da outra.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">A hip&oacute;tese da porta de entrada n&atilde;o exclui a das tend&ecirc;ncias gen&eacute;ticas e comportamentais que afetam o risco de adi&ccedil;&atilde;o, pelo contr&aacute;rio, ambas s&atilde;o complementares.</p><p style="color: rgb(0, 0, 0); font-family: Georgia, verdana, arial; font-size: 18px;">Fatores gerais, como os genes e o comportamento, explicam a tend&ecirc;ncia para o uso de drogas psicoativas, enquanto fatores espec&iacute;ficos explicam por que certos jovens usam determinadas drogas e o fazem em sequ&ecirc;ncias particulares.</p>


TAGS


<< Voltar