Suicídio de jovens mulheres avança em São Paulo

Publicado em:  25/02/2016

<div> A curta hist&oacute;ria de Ariele Vidal Farias integra um fen&ocirc;meno crescente na cidade de S&atilde;o Paulo: os casos de suic&iacute;dio de jovens mulheres, com idade entre 15 e 34 anos.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Mais velha de tr&ecirc;s irm&atilde;os, Ariele vivia com a m&atilde;e &mdash;os pais, separados, mas de conviv&ecirc;ncia amistosa, contam que nunca notaram sinais de depress&atilde;o na primog&ecirc;nita.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Em mar&ccedil;o de 2014, ao voltar para casa &agrave; tarde, ap&oacute;s a escola, a irm&atilde; mais nova encontrou Ariele enforcada. Ela tinha 18 anos.</div> <div> &nbsp;</div> <div> A fam&iacute;lia descobriria depois que a ex-escoteira treinara os n&oacute;s a partir de um livro, deixado fora do lugar, e at&eacute; uma boneca foi encontrada nos seus pertences com um la&ccedil;o no pesco&ccedil;o.</div> <div> Na carta de despedida, escreveu: &quot;Gente morta n&atilde;o decepciona ningu&eacute;m&quot;.</div> <div> &nbsp;</div> <div> O n&uacute;mero de suic&iacute;dios de mulheres de 15 a 34 anos na capital, que representava 20% do total nessa faixa em 2010, pulou para 25% quatro anos depois.</div> <div> &nbsp;</div> <div> De acordo com o &quot;Mapa da Viol&ecirc;ncia &mdash; Os Jovens do Brasil&quot;, estudo elaborado pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ci&ecirc;ncias Sociais), a taxa de suic&iacute;dio dos jovens em S&atilde;o Paulo aumentou 42% entre 2002 e 2012.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Bruno Santos/Folhapress<span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></div> <div> O oficial de Justi&ccedil;a Ivo Oliveira Farias, 58, pai de Ariele Vidal Farias; ela se matou em 2014, aos 18 anos, enforcada</div> <div> Oficial de Justi&ccedil;a Ivo Oliveira Farias, pai de Ariele; ela se matou em 2014, aos 18 anos, enforcada</div> <div> &quot;Tenho duas conjecturas para a decis&atilde;o dela. Uma poss&iacute;vel crise pela descoberta da homossexualidade, ela tinha contado para uma tia que gostava de uma menina, e o fato de ser muito exigente consigo mesma&quot;, responde o pai de Ariele, o oficial de justi&ccedil;a Ivo Oliveira Farias, 58.</div> <div> &nbsp;</div> <div> A filha se preparava para seguir sua carreira. Dias depois do enterro, a fam&iacute;lia receberia a not&iacute;cia de que ela fora aprovada em direito.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Psiquiatras entrevistados pela Folha citam o agravamento de doen&ccedil;as ps&iacute;quicas como o principal fator para explicar o aumento de casos entre jovens mulheres. Contribuem tamb&eacute;m aspectos como maior competitividade e press&atilde;o &mdash;profissional e familiar&mdash;, bullying, dificuldade para lidar com decep&ccedil;&otilde;es e o consumo de &aacute;lcool e drogas.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Em grandes cidades, outro fator citado por psiquiatras e psic&oacute;logos &eacute; o isolamento.</div> <div> &nbsp;</div> <div> &nbsp;</div> <div> &quot;H&aacute; uma mudan&ccedil;a de comportamento nas mulheres, as mais jovens mostram dificuldade para enfrentar adversidades, pessoais e profissionais&quot;, afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro, coordenadora de preven&ccedil;&atilde;o e suic&iacute;dio da Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Psiquiatria.</div> <div> &nbsp;</div> <div> O aumento segue tend&ecirc;ncia mundial, elevando a pr&aacute;tica para a segunda causa de morte entre jovens mulheres &mdash;entre os homens, o suic&iacute;dio est&aacute; na quarta posi&ccedil;&atilde;o.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Considerado tabu, o tema tem alta subnotifica&ccedil;&atilde;o, que especialistas estimam em cerca de 30%. Na certid&atilde;o de &oacute;bito de Ariele, consta como a causa da morte enforcamento, n&atilde;o suic&iacute;dio.</div> <div> &nbsp;</div> <div> ELAS E ELES</div> <div> &nbsp;</div> <div> Os suic&iacute;dios costumam ocorrer com mais frequ&ecirc;ncia, segundo estat&iacute;sticas, na parte da tarde, com os atos realizados geralmente em casa.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Apesar de as pr&aacute;ticas violentas estarem mais associadas aos homens, especialistas alertam para o crescimento de suic&iacute;dios violentos entre as mulheres, com um expressivo n&uacute;mero de casos de mo&ccedil;as que se jogaram de pr&eacute;dios, por exemplo.</div> <div> &nbsp;</div> <div> O enforcamento, contudo, ainda &eacute; o principal meio para se tirar a vida, seja entre homens ou mulheres. Ainda assim, s&atilde;o eles quem se matam mais &mdash;a exce&ccedil;&atilde;o mundial &eacute; a China.</div> <div> &nbsp;</div> <div> &quot;Geralmente, a m&eacute;dia &eacute; de a cada tr&ecirc;s suic&iacute;dios de homem, ocorre um de mulher. Entre os jovens, estamos observando que a taxa diminuiu, de tr&ecirc;s para dois ou mesmo de dois para um&quot;, acrescenta Alexandrina Meleiro.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Para os familiares, o mais dif&iacute;cil &eacute; lidar com o luto. N&atilde;o raro, pais, filhos e vi&uacute;vas desenvolvem elas tamb&eacute;m a vontade de se suicidar.</div> <div> &nbsp;</div> <div> &quot;O luto n&atilde;o termina&quot;, conta Ivo. &quot;Parece que n&atilde;o est&aacute;vamos &agrave; altura para lidar com o sofrimento dela. &Eacute; algo que te tira a sensibilidade para todas as demais trag&eacute;dias.&quot;</div> <div> &nbsp;</div> <div> Ivo era dan&ccedil;arino de sal&atilde;o, mas n&atilde;o bailou mais desde a morte de Ariele. &quot;N&atilde;o consigo dan&ccedil;ar. Nem os meus amigos conseguem entender&quot;.</div> <div> &nbsp;</div> <div> &nbsp;</div> <div> GRUPOS DE AJUDA</div> <div> &nbsp;</div> <div> Aos poucos, as hist&oacute;rias come&ccedil;am a ser contadas pelos oito participantes de uma reuni&atilde;o mensal realizada na pequena sala de uma casa no bairro da Bela Vista, na regi&atilde;o central de S&atilde;o Paulo.</div> <div> Apenas dois dos presentes se conhecem de encontros anteriores. Os demais visitam o local pela primeira vez.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Um rapaz de 34 anos relata o suic&iacute;dio do namorado, que tinha se jogado de um pr&eacute;dio havia 50 dias.</div> <div> &nbsp;</div> <div> &Agrave; sua direita, o jovem que o acompanhava, amigo do casal, tamb&eacute;m tinha um caso de suic&iacute;dio no c&iacute;rculo familiar: a irm&atilde; mais nova se enforcara em casa, h&aacute; cinco anos.</div> <div> Um jovem de 19 anos conta que come&ccedil;ou a pensar em se matar ap&oacute;s a namorada p&ocirc;r fim &agrave; rela&ccedil;&atilde;o entre eles.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Para a garota de 18 anos ao seu lado, a vontade se manifestou pela primeira vez, disse, aos 10. &quot;Ningu&eacute;m nunca percebeu a minha depress&atilde;o&quot;, contou.</div> <div> &nbsp;</div> <div> A jovem disse que, depois de tentar se matar, no ano passado, o pai, separado da m&atilde;e, deixou de falar com ela e se afastou, suspendendo os pagamentos da faculdade e a mesada.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Conduzido por volunt&aacute;rios do CVV (Centro de Valoriza&ccedil;&atilde;o da Vida), que atua na preven&ccedil;&atilde;o do suic&iacute;dio, o encontro tem fun&ccedil;&atilde;o terap&ecirc;utica para os participantes.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Segundo Tino Peres, um dos volunt&aacute;rios, o objetivo &eacute; promover a troca de experi&ecirc;ncias entre os sobreviventes, como s&atilde;o chamados familiares de suicidas e quem sobreviveu &agrave; tentativa de se matar.</div> <div> &nbsp;</div> <div> A reportagem da Folha acompanhou a reuni&atilde;o no in&iacute;cio deste m&ecirc;s, que contou ainda com a participa&ccedil;&atilde;o do oficial de justi&ccedil;a Ivo Oliveira Farias e de outras tr&ecirc;s pessoas &mdash;uma mulher, cujo pai se matou h&aacute; 17 anos, e m&atilde;e e filha, esta &uacute;ltima, segundo contou, sobrevivente de duas tentativas de suic&iacute;dio.</div> <div> &nbsp;</div> <div> &quot;Relatos de jovens que tentam se matar desde os dez anos s&atilde;o mais frequentes do que se imagina&quot;, afirma a psic&oacute;loga Karen Scavacini, do Instituto Vita Alere, que tamb&eacute;m organiza encontros entre sobreviventes. &quot;Os grupos t&ecirc;m uma fun&ccedil;&atilde;o essencial, eles criam um fator de pertencimento forte. Falar sobre o suic&iacute;dio &eacute; muito importante para preveni-lo&quot;.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Em rela&ccedil;&atilde;o &agrave;s tentativas de suic&iacute;dio, elas chegam a ser 20 vezes maiores do que os &oacute;bitos consumados.</div> <div> &nbsp;</div> <div> No ano passado, uma das jovens que tentou se matar em S&atilde;o Paulo foi uma adolescente de 15 anos (seu nome &eacute; preservado a pedido). Ap&oacute;s cortar o pulso seis vezes, ela passou a ter acompanhamento m&eacute;dico e psicol&oacute;gico, e ent&atilde;o a situa&ccedil;&atilde;o ficou sob controle.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Um dos motivos, segundo o pai, foi a d&uacute;vida sobre a sua sexualidade, sem saber se gostava de meninos ou meninas. &quot;Acho que, se quisesse, ela teria se matado. Mas e se numa tentativa dessas ela erra a m&atilde;o e passa do ponto?&quot;, pergunta.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Das 2.240 pessoas que, pelas estat&iacute;sticas, tentaram suic&iacute;dio em S&atilde;o Paulo em 2014, 34 morreram antes do atendimento m&eacute;dico ou durante ele.</div> <div> &nbsp;</div> <div> MONITORAMENTO</div> <div> &nbsp;</div> <div> Fen&ocirc;meno que ocorre cada vez mais entre os jovens, homens ou mulheres, o suic&iacute;dio deve ser abordado sem estigmas, afirmam especialistas.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Os tratamentos psiqui&aacute;tricos e psicol&oacute;gicos s&atilde;o recomendados para os sobreviventes, estejam eles participando ou n&atilde;o de grupos como os do CVV (Centro de Valoriza&ccedil;&atilde;o da Vida).</div> <div> &nbsp;</div> <div> Na rede p&uacute;blica de sa&uacute;de de S&atilde;o Paulo, a Covisa (Coordena&ccedil;&atilde;o de Vigil&acirc;ncia em Sa&uacute;de) monitora casos de potenciais suicidas.</div> <div> &nbsp;</div> <div> Se alguma pessoa for internada duas vezes seguidas por intoxica&ccedil;&atilde;o, por exemplo, o &oacute;rg&atilde;o pode encaminh&aacute;-la para acompanhamento.</div>


TAGS


<< Voltar